As pequenas flores da árvore da vizinha já tombaram quase todas, agora existem nós verdes escuros ou muito claros a despontarem das ramadas. No chão, um círculo rosa alaga-se no cemitério das flores e ainda assim nesse estado, não deixa de me encantar no contraste com os tons da terra ou dos cinzentos da estrada, do passeio de calçada portuguesa para onde esvoaçaram espreitando os limites da propriedade.
Tenho andado atenta ao crescimento da árvore, à minha paz, ao meu reencontro com as pequenas coisas que me trazem sossego.
Os cães farejam-me as mãos, lambem os dedos, abanam as caudas felizes do achado, eles melhor e primeiro sentem onde estou.
 
Afinal tudo o que precisava estava diante dos meus olhos.
Não sei que árvore é aquela e nem vem ao caso, porque o que é importante é que defronte da minha casa, no quintal da vizinha, toda a copa duma árvore esplendorosamente se havia coberto de flores rosadas e brancas com um olho vermelho escuro.
Aquela visão é mais do que eu julgava necessário, porque no fundo a beleza é fundamental e durante os últimos tempos muita coisa feia tem vindo a atingir-me.
Também a surpresa, como se de um dia para o outro e magicamente a florescência tivesse rebentado para me encantar (coisa que sei não ser naturalmente possível), ajudaram a apaziguar o sentimento de revolta e injustiça que tenho transportado no peito. Acalmei a minha dor nas cores, os olhos na imagem tão bela e próxima, contemplei-a apenas no acto de assistir e nada mais pretender senão a poesia de admirar.
 
Queixava-me eu uns posts abaixo que cada vez gostava mais de animais e menos de pessoas. Menos, muito muito menos. A verdade é que estou a criara uma verdadeira aversão à raça humana. São feios, porcos e maus. Cospem no chão, são mal-educados, cheiram que tresandam, chacinam por prazer e ainda se desculpam apontando o dedo ao outro. Eu não fui! É sempre o outro, o que interessa é sacudir as responsabilidades e saír bem na fotografia, seja lá por que razão for. Ou por traumas de infância, ou por doença, ou por falta de dinheiro, ou estigmatizados da sociedade ou ideologias político-religiosas ou o diabo que os carregue. Não há paciência para tanta desculpa a justificar a pobreza a que a evolução da raça humana está a atingir. Quanto mais sabemos mais estúpidos nos tornamos. Que infelicidade!


A 26/08/2015 foi aprovada uma nova Lei que impõe um período de carência de 5 anos para quem for apanhado a  maltratar animais. Mas do papel à execução da lei vai uma enormidade e os contornos do entendimento sobre maltratos dão pano para mangas, o que equivale a dizer que há sempre quem se safe a menos que seja apanhado em flagrante delito, o que obviamente no caso de quem é indefeso como os animais, é dificílimo.
Depois, ainda há o outro quadro: caso seja condenado, como se atesta sobre o impedimento de ter animais sob a sua tutela durante este tempo.
E a seguir? Já não são bandidos?
Sabe-se perfeitamente que há gente que tem cães e gatos sem o mínimo de condições, amontoados, agrilhoados, em varandas, famintos e doentes e sem estarem devidamente registados às autoridades respectivas, sendo do conhecimento geral o que se passa e todos a fazerem vista grossa.
Quem garante a vida e segurança dos que estão sob risco?
 

No ano que acabou contava eu que cada vez gostava menos de pessoas e mais da minha matilha.
Mas a ser assim, como posso eu gostar de mim?
E a não me gostar, como posso sentir tão profundamente o que sinto pelos meus cães, que a sua falta leva-me a enterrar junto com aqueles que partem?
Então melhor nada sentir por eles também.
O preço que se paga quando nos deixam é tão mais violento que o amor que lhes tenho e a cura é impossível. Acho-lhes a falta quando distribuo a comida ou quando me acercam e as mãos não têm onde tocar. É aí que dou por mim a bater no peito e a não querer sentir.